IBGE diz que legislação de 1960, que definia 32 bairros, não foi atualizada.
Projeto de Lei com proposta da UFBA segue sem votação desde 2010.
Salvador celebra em 2016 o aniversário de 467 anos. Séculos de história não foram suficientes para a implementação e atualização de uma lei que defina os bairros e dê conta das delimitações territoriais da primeira capital do Brasil. Para o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a situação impede a ampla divulgação de dados socioeconômicos e pode repercutir na promoção equivocada de políticas públicas nos territórios soteropolitanos. A Prefeitura de Salvador afirma que um projeto de lei está na Procuradoria Geral do Município (PGM), de onde a redação final será enviada à Câmara de Vereadores. O prazo não foi informado.
Coordenador de disseminação de informações do IBGE, André Urpia explica que a Lei Municipal Nº 1.038, publicada em 1960, chegou a dividir Salvador em 32 bairros. À época, a população local era de aproximadamente 655.735 habitantes.
Desde então, até o final de 2015, a capital cresceu e atingiu uma marca de 2,9 milhões de moradores. O progressivo avanço populacional não incitou novas atualizações da norma de 1960, tornando a lei municipal um instrumento ultrapassado e sem utilidade prática.
“Salvador, oficialmente, não tem bairros, o que dificulta a divulgação de informações. A gente perde dados do censo demográfico e isso é sério. Não há dados oficiais que sirvam de base para promoção de políticas públicas, nem que possam ser divulgados para empresas. Recentemente, o Ministério Público nos perguntou o número de crianças nos bairros para saber quantas precisavam de creches, por exemplo. Oficialmente, não tínhamos”, atesta Urpia.
'O Caminho das Águas'
Embora não haja dados oficiais, que sejam amparados por lei, André Urpia destaca que, em 2010, um estudo produzido pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) em parceria com o IBGE e com órgãos vinculados ao estado e ao município resultou em um amplo mapeamento de Salvador.Intitulada como “O Caminho das Águas”, a pesquisa identificou a existência de 160 bairros, além de três ilhas, tendo como principal instrumento de análise a sensação de pertencimento narrada por moradores entrevistados em todo o município.
Vinculados ao critério também foram consideradas questões como oferta de bens e serviços públicos e privados, além de aspectos culturais e de posicionamento geográfico.
À frente do estudo, Elisabete Santos, professora da Escola de Administração da UFBA, afirma que o intuito inicial da pesquisa era produzir uma análise que trouxesse à tona a qualidade das águas, como também a delimitação das bacias hidrográficas e de drenagem de Salvador.
“Nesse projeto, sentimos de forma intensa a desconexão dos cidadãos com águas. As pessoas não diziam que estavam integradas a uma determinada bacia [hidrográfica], mas a um bairro. Precisávamos dessa ideia de identidade e acabamos articulando os bairros e bacias”, explica Elisabete sobre os rumos da pesquisa.
O estudo foi divulgado em 2010 e, segundo a professora, gerou como subproduto um projeto de lei que, enfim, propunha a definição de bairros em Salvador. Ela conta que o documento foi entregue à Prefeitura Municipal, que na época era comandada por João Henrique. Desde então, o projeto não foi encaminhado para votação na Câmara de Vereadores.
Derrubando mitos
Quando o estudo “O Caminho das Águas” foi divulgado, Joílson Rodrigues de Souza, que hoje atua como assessor na Pró-Reitoria de Planejamento e Orçamento da UFBA, exercia o cargo de coordenador de disseminação de informações do IBGE. Ele conta que a falta de avanço do projeto de lei impede que a capital baiana dê um passo importante em uma identificação mais precisa das necessidades dos moradores.“Toda vez que a comunidade demanda algo da prefeitura, parte de algum argumento para fazer válida a demanda. Se o bairro não conhece realmente qual é a sua população, pode ter suas necessidades subestimadas ou superestimadas”, pondera Souza.
Em 2012, por exemplo, o IBGE divulgou dados que derrubaram alguns mitos relacionados a Salvador. Um deles é referente ao bairro mais populoso, que até então acreditava-se que era Cajazeiras, com mais de 300 mil habitantes. O censo demográfico apontou que, na verdade, a região conta com 60 mil moradores. A pesquisa atesta que o bairro de Brotas é o mais habitado da capital, com 70.158 pessoas.
Também contrariando o pensamento popular, o censo demográfico indicou que a Liberdade não é o bairro com o maior número de pessoas negras da cidade. Em números absolutos esse título é do bairro de Pernambués, onde, de acordo com o IBGE, moram 53.580 negros. Ainda segundo a pesquisa, a Liberdade não está nem entre os cinco bairros com maior número de pessoas negras em Salvador.
“Seja para atuação do poder público, seja para o cidadão promover reivindicações, é importante que tenhamos definidos os nossos limites geográficos”, defende Joílson Rodrigues de Souza. Ele acrescenta que alguns municípios do interior da Bahia já avançaram neste quesito ao aprovarem leis que definem bairros, como Lauro de Freitas e Camaçari. Além disso, a expectativa é de que Feira de Santana, Vitória da Conquista e Itaberaba já tenham dados específicos sobre bairros divulgados no próximo Censo, em 2020.
“Uma vez definidos os bairros, os entes geográficos (população, saneamento, escolaridade, etc) terão acompanhamento sistemático a cada Censo”, conclui Souza sobre a importância de votação e aprovação do projeto de lei que define os bairros de Salvador.
A professora Elisabete Santos defende que a definição de bairros deve auxiliar a administração municipal e acompanhar a dinâmica de crescimento do município. "A lei de bairro é fundamental do ponto de vista de gestão de território. Agora, ela não pode ser engessada, porque a cidade é dinâmica", destaca sobre a necessidade de atualização permanente das informações.
Cultura dos bairros
A aprovação do projeto de lei que define e delimita os bairros de Salvador pode tirar dúvidas de muitos cidadãos soteropolitanos. A pesquisa “O Caminho das Águas”, por exemplo, aponta que o Curuzu é um bairro à parte da Liberdade.Joílson Rodrigues de Souza, que era coordenador de disseminação de informações do IBGE no período da divulgação do estudo, em 2010, disse que a decisão foi tomada privilegiando aspectos culturais da região. “O Curuzu tem uma representação muito forte de natureza cultural, que provoca aspectos muito próprios. Isso eleva sua condição para bairro”, explica.
A aposentada Maria Ângela, que mora há mais de 30 anos no Curuzu, tinha outro entendimento. “Curuzu não é um bairro. É uma transversal do bairro da Liberdade. O destaque que temos tem a ver com presença da sede do Ilê Ayiê [bloco afro], que fica aqui”, pontua.
Brotas, bairro mais populoso de Salvador, também é uma localidade que provoca dúvidas geográficas. O encarregado de montagem Jorge de Jesus Ferreira mora há 15 anos no Candeal. Ele acredita que o local é uma área de Brotas. “Quando preciso dar o meu endereço a alguém, eu digo que moro no bairro de Brotas e que a minha casa fica na região do Candeal", detalha Ferreira.
Para a pesquisa “O Caminho das Águas”, Candeal já é um bairro. “Foi analisada a centralidade da região e os equipamentos [públicos e privados] que ela agrega”, conta Joílson Rodrigues de Souza.
Projeto de Lei
Reinaldo Braga Filho, diretor geral das prefeituras-bairro de Salvador, afirma que a pesquisa “O Caminho das Águas” já é usada como referência de atuação da atual gestão municipal. “A gente já utiliza essa divisão [apontada pelo estudo], falta o detalhe que é aprovar o projeto de lei”, relata.Braga Filho destaca que a divisão do município em 160 bairros e três ilhas foi referência na definição das 10 prefeituras-bairro implantadas em Salvador, desde 2014. São elas: Centro-Brotas; Barra-Pituba; Cabula-Tancredo Neves; Liberdade-São Caetano; Cidade Baixa; Subúrbio e Ilhas; Regional de Valéria; Pau da Lima; Cajazeiras; e Itapuã-Ipitanga.
“Quando chegamos aqui, nos deparamos com essa situação [da ausência de lei sobre bairros]. Verificamos na Câmara de Vereadores e na prefeitura se já exista algum projeto em andamento. Tivemos então acesso ao estudo ‘O Caminho das Águas’. A Prefeitura admite que se trata do retrato mais fiel da cidade de Salvador”, atesta Braga Filho.
Usado como referência para definição das prefeituras-bairro, o projeto de lei criado por meio da pesquisa “O Caminho das Águas” ainda segue na prefeitura. “O projeto de lei está pronto na procuradoria do gabinete do prefeito. A gente não fez nenhuma alteração. Agora só falta parte legal, que é votação e aprovação”, estima Braga Filho.
Por meio de nota, a Prefeitura de Salvador confirmou que o projeto de lei está na Procuradoria Geral do Município (PGM). A Prefeitura acrescenta que o texto vai atualizar a Lei Municipal 1.038/60 e, sendo aprovada pelos vereadores, definirá que Salvador passa oficialmente a possuir 163 bairros, estabelecendo os limites geográficos de cada um, assim como proposto pelo estudo "O Caminho das Águas".
Bairros identificados no estudo 'O Caminho das Águas':
AcupeAeroporto
Águas Claras
Alto da Terezinha
Alto das Pombas
Alto do Cabrito
Alto do Coqueirinho
Amaralina
Areia Branca
Arenoso
Arraial do Retiro
Bairro da Paz
Baixa de Quintas
Barbalho
Barra
Barreiras
Barris
Beiru/Tancredo Neves
Boa Viagem
Boa Vista de Brotas
Boa Vista de São Caetano
Boca da Mata
Boca do Rio
Bom Juá
Bonfim
Brotas
Cabula
Cabula VI
Caixa D'Água
Cajazeiras II
Cajazeiras IV
Cajazeiras V
Cajazeiras VI
Cajazeiras VII
Cajazeiras VIII
Cajazeiras X
Cajazeiras XI
Calabar
Calabetão
Calçada
Caminho das Árvores
Caminho de Areia
Campinas de Pirajá
Canabrava
Candeal
Canela
Capelinha
Cassange
Castelo Branco
Centro
Centro Administrativo da Bahia
Centro Histórico
Chapada do Rio Vermelho
Cidade Nova
Comércio
Cosme de Farias
Costa Azul
Coutos
Curuzu
Dom Avelar
Doron
Engenho Velho da Federação
Engenho Velho de Brotas
Engomadeira
Fazenda Coutos
Fazenda Grande do Retiro
Fazenda Grande I
Fazenda Grande II
Fazenda Grande III
Fazenda Grande IV
Federação
Garcia
Graça
Granjas Rurais Presidente Vargas
IAPI
Ilha de Bom Jesus dos Passos
Ilha de Maraé
Ilha dos Frades
Imbuí
Itacaranha
Itaigara
Itapuã
Itinga
Jaguaripe I
Jardim Armação
Jardim Cajazeiras
Jardim das Margaridas
Jardim Nova Esperança
Jardim Santo Inácio
Lapinha
Liberdade
Lobato
Luiz Anselmo
Macaúbas
Mangueira
Marechal Rondon
Mares
Massaranduba
Mata Escura
Matatu
Monte Serrat
Moradas da Lagoa
Mussurunga
Narandiba
Nazaré
Nordeste de Amaralina
Nova Brasília
Nova Constituinte
Nova Esperança
Nova Sussuarana
Novo Horizonte
Novo Marotinho
Ondina
Palestina
Paripe
Patamares
Pau da Lima
Pau Miúdo
Periperi
Pernambués
Pero Vaz
Piatã
Pirajá
Pituaçu
Pituba
Plataforma
Porto Seco Pirajá
Praia Grande
Resgate
Retiro
Ribeira
Rio Sena
Rio Vermelho
Roma
Saboeiro
Santa Cruz
Santa Luzia
Santa Mônica
Santo Agostinho
Santo Antônio
São Caetano
São Cristóvão
São Gonçalo
São João do Cabrito
São Marcos
São Rafael
São Tomé
Saramandaia
Saúde
Sete de Abril
Stella Maris
STIEP
Sussuarana
Tororó
Trobogy
Uruguai
Vale das Pedrinhas
Vale dos Lagos
Valéria
Vila Canária
Vila Laura
Vila Ruy Barbosa/Jadim Cruzeiro
Vitória